196-210
A escultura no cinema de Pedro Costa
Authors: João GONÇALVES

Number of views: 213
Resumo: Admirado pela linguagem inovadora com que constrói retratos de pessoas a viver em situações limite, Pedro Costa é uma figura consensual no panorama do cinema
contemporâneo de autor. Entre 1997 e 2006, produziu aquele que é, por muitos considerado, o seu corpo de trabalho mais relevante: um conjunto de três filmes, conhecido por “Trilogia das Fontainhas”, do qual fazem parte Ossos (1997), No Quarto da Vanda (2000) e Juventude em Marcha (2006). Exemplos que nos permitem identificar alguns dos aspectos mais singulares da sua obra.
Produzidos à volta de uma ligação entre Cabo Verde e Portugal, os três filmes exploram uma série de oposições, entre um bairro de uma periferia pobre e o centro de uma capital europeia com sinais de riqueza; entre distância e proximidade, comunidade e nãocomunidade, deslocação e localização, lugar e contexto. Numa escala mais pequena, a
substituição da ilha pelo bairro, a relação do corpo com a parede a surgir em espaços de dimensões reduzidas, simultaneamente interiores e exteriores. Espaços fechados e
abertos, privados e públicos, pessoais e políticos.
Com este estudo propõe-se que o antagonismo presente nestes trabalhos e a forma como esse antagonismo é traduzido em linguagem cinematográfica, com recurso a movimentos
de câmara lentos e com a figura humana a surgir como elemento principal da composição do plano, aproximam o cinema de Pedro Costa da área da escultura. A proposta é feita com base nos exemplos mencionados, em entrevistas ao cineasta, no pensamento de Jacques Rancière, espectador atento da obra de Costa, e na colaboração entre o cineasta
e o escultor Rui Chafes. São explorados três pontos principais: primeiro, o modo como o corpo é representado de maneira semelhante a um objecto, tantas vezes lento, silencioso e frágil, sempre sujeito à condição material da sua existência, acompanhado pela atenção que Costa dá a diversos objectos e que é um registo que aparece como forma de inscrição do ser na realidade concreta das coisas; segundo, a variação da matéria sensível e do que é considerado belo; terceiro, a arte como campo de aproximação de realidades opostas e de criação de novos significados, isto é, como campo de mudança e da possibilidade de um novo começo construído a partir de uma alteração das condições materiais. O objectivo é estabelecer-se uma ligação entre o cinema de Pedro Costa e a área da escultura e reflectir sobre um desafio comum aos dois: a urgência de elevar a vida por meio de uma recomposição do mundo material, numa expressão de significado à margem de lógicas economicistas.
Abstract: Admired by his sensitive portraits of people living under extreme conditions, Pedro Costa is a consensual figure in today’s arthouse cinema. Between the years 1997 and 2006, he produced what many consider his most relevant body of work. A set of three films, known as Fontainhas Trilogy, that includes Ossos (1997), In Vanda’s Room (2000) and Colossal Youth (2006). These films allow us to identify some of Costa’s work most distinctive features. Produced around a connection between Cape Verde and Portugal, the three films explore a series of oppositions. An opposition between the poor outskirts and a far wealthier centre of a European capital, between distance and proximity, community and noncommunity, dislocation and location, place and context. And then on a smaller scale, the replacement of ‘the island’ for ‘the neighbour’ and the relationship between the body and the wall as it appears in small spaces that are both interior and exterior, closed and opened, private and public, personal and political.
The paper introduced here, proposes that such oppositions, and the way they are translated into cinematic language, with the use of slow camera movements and with the
human figure appearing as the central element within the frame, bring Costa's cinema close to the field of sculpture. Supported by the examples just mentioned, by interviews with the filmmaker, by the collaboration between Costa and the sculptor Rui Chafes and the writings of Jacques Rancière, an attentive spectator of Costa’s oeuvre, the paper explores three main points. The first, the representation of the body as an object. A slow, silent, and fragile body that appears always limited by the material condition of its existence. Announced in earlier
films and clearly explored in Ossos, it is a quality that allow Costa to inscribe being into the concrete reality of things. The second, most visible in In Vanda’s Room, Costa’s unusual aesthetics and the variation of the sense of beauty that results therefrom. The third, emerging from Colossal Youth, the idea of art as field where it is possible to bring antagonistic realities together and originate new meanings, or in other words, as a field
of change where it is possible to imagine and construct new beginnings from changing material conditions. The proposal is then to establish a connection between Costa’s cinema and the sphere of sculpture and to reflect on a challenge shared by the two: the urgency to elevate life through a recomposition of the material world in an expression of meaning beyond economic criteria.