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TRADUÇÃO - ESBOÇO PARA UMA DEFESA DO HOMEM CAPAZ (ENTREVISTA DE PAUL RICOEUR) 1
Authors: Revista Ideação
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PAUL RICOEUR – Este é um ponto de vista dos leitores, que não corresponde exatamente ao
meu. Experimento ao invés disso o sentimento do caráter fragmentário do meu trabalho
filosófico. Cada um dos meus livros constitui um espaço de gravitação em torno de uma questão
bem determinada. Uma abordagem cronológica pode se justificar na medida em que cada livro
procede de questões não resolvidas do livro precedente. Eu dou um exemplo. O livro A
Simbólica do mal, segunda parte do segundo tomo de minha Filosofia da Vontade2
, deriva de
uma questão não resolvida no primeiro tomo, que trata do Voluntário e o Involuntário, e onde
eu falava de uma espécie de “vontade inocente”, ou melhor, de uma vontade onde a questão do
bem e do mal não era posta. Todavia, a história da humanidade e dos povos é muito marcada
pelo mal como violência, mentira e opressão, e me pareceu insustentável que isso não fosse
abordado em uma filosofia do “Voluntário” oposta ao “Involuntário”. Então, abordei o tema
por meio dos mitos que relatam como o mal entrou no mundo, notadamente, por meio daqueles
mitos que estão na origem da cultura ocidental. As interpretações desses símbolos e desses
grandes relatos já existiam, mas confrontei-me com leituras sobre a origem do mal opostas à
minha, sobretudo da parte daqueles que denominei os “filósofos da suspeita”, Marx, Nietzsche
e Freud. Considerei como redutoras as interpretações desses filósofos, no sentido de que elasnos permitiam um recuo redutivo em relação ao manifesto: a redução à base econômica em
Marx, a redução aos instintos em Freud, a redução à vontade de viver e ao desejo profundo em
Nietzsche. Todas essas propostas redutivas entravam em conflito com as interpretações
amplificantes que se abriam na direção de uma espécie de horizonte sagrado.